"it's six of one and half a dozen of the other". Micro-estórias escritas ora em português, ora em inglês. O título do blog (que significa, "tanto faz" ou "ambas as opções dão na mesma") é uma lembrancinha de uma expressão que nunca consegui falar rápido o bastante enquanto morava na Irlanda do Norte.
1.11.10
Imune
Era um dia como qualquer outro, acordou, cultivou os seus longos minutos de preguiça na cama antes de se levantar e, enfim, levantou-se. Lavou o rosto, escovou os dentes, aplicou o seu filtro solar facial matutino e começou a pentear os cabelos. Ao passar os dedos entre os seus delicados e sedosos fios, levantou levemente uma mecha de seu cabelo e notou que ali não havia mais as suas finas madeixas castanhas, apenas a maciez do seu couro cabeludo nu. Aflita, ergueu outra mecha e lá estava: outra ausência. Alisou a sua cabeça dessa vez com as duas mãos e, passando os dedos por debaixo dos fios, sentiu a pele que reveste o seu crânio completamente despida, não havia mais dúvida alguma. A ansiedade sobreveio-lhe, por quê de novo? Por que eu? O controle que acreditava possuir sobre as suas aflições, sobre o seu existir, sobre o passar do tempo, sobre o dormir, o acordar, o respirar, o caminhar, lá estava impresso no medo do nu, na ironia que era a sua própria composição. Um corpo que a cada dia aniquilava-se, que protestava contra a sua própria existência, contra a sua vitalidade. Caminhava dia após dia, hora após hora, para o seu desfecho, ora lentamente, ora brusca e violentamente. "O sistema imunológico". "Imunológico", pensou, "imune", "imune a quê?". Não entendia porque não caminhava como os outros, ao desfecho, sorrateiramente, quando o cabelo deixa de estar ali "por causa da idade", mas, no seu caso, "na flor da idade", o seu corpo lhe atraiçoava, não lhe era casa, a casa-abrigo, era-lhe a constatação do que não era, de que não era imune, era suscetível.
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