22.5.09

22 de maio de 2009, impressões de um primeiro mês


Precisamente hoje completa-se meu primeiro mês aqui. Um mês de surpresas, confortos e desconfortos.

Os dois primeiros substantivos, carregados de significados positivos, são decorrentes da paisagem cheia de penhascos da costa norte, dos passeios de trem, do vento frio do Ártico, das músicas das tavernas, das senhorinhas dançando e tomando Guinness ou uísque com um sorrisinho maroto, de expressões como "a wee bit", "a wee second", "a wee seat", que poderiam ser traduzidas por meio de uma simples inserção do nosso jeito-africanês do sufixo diminutivo "-inho": "um pouquinho", "um segundinho", "uma sentadinha". As surpresas também decorrem das reviravoltas politicas deste lugar, tão cheias de sutilezas e camadas. Aqui no Norte, há irlandeses-irlandeses e há irlandeses-britânicos, cuja capital é Londres.

Essas questões identitárias se confrontam o tempo todo. Acordos políticos de cessar-fogo abrandaram enormemente os chamados "The Troubles". Mas as camadas estão mais submersas, pois não estão impregnadas somente nas memórias das pessoas, mas, mais do que isso, parecem correr em seu sangue. E eu, no meio de tudo isso, deparo-me com um pedaço de Ocidente nunca imaginado: não é Europa, tampouco é América. É Reino Unido, mas às vezes não é. Às vezes é English, às vezes Gaelic, mas às vezes é Hiberno-English.

E quando subo as escadas de casa, encontro ainda outro mundo: um que aos poucos se torna o meu. Minha vida num cenário cheio de paredes com aquecedores pendurados, botões para acionar o aquecimento da água, carpetes, janelas que devem ser fechadas à tarde para que a casa não esfrie demais. O fogão tem bocas elétricas e por isso não posso ver o fogo. Sinto falta do fogo. Compram-se isqueiro e velas e acendem-se as velas. Fogo. E assim meu mundo é recriado numa chama intermitente, ora azul, ora amarela, ora laranja, ora azul, ora laranja, ora amarela...