18.2.14

Paquetá - RJ, 10.02.2014

Foi ao Rio passear. Mas não para fazer um passeio qualquer. Foi para passear em si mesma, para tentar compreender a finalidade de tudo isso, dos sonhos já realizados tão cedo numa vida que se fazia sentir tão idosa.

Reencontrou a amiga com quem há anos não passava o tempo fazendo o que gostavam de fazer: bebericar, ponderar as coisas da vida e sentar-se em silêncio, em reverência ao momento presente. Depois de um fim de semana de reencontro tão espontaneamente divertido e profundo, acordou melancólica, com o blues de não poder passar o dia acompanhada. Nove. Nove e meia. Dez horas e finalmente cria coragem, levanta-se da cama naquela segunda-feira preguiçosa. Resolve ir à Ilha de Paquetá ao invés de visitar a moderna Catedral Metropolitana de São Sebastião, avistada do alto de Santa Teresa.

Chegando à Estação das Barcas, tem a gostosa sensação de estar prestes a viajar. A idéia de fazer um passeio pelo Rio literário do século XIX a seduzira. Fantasias adolescentes de um Brasil na era do Romantismo pareciam-lhe um convite tentador. Seria como revisitar um passado que com insistência existiu em sua imaginação no tenro período dos seus doze aos dezessete anos...

No catamarã, em meio a disputas pelos assentos próximos às janelas, conquista o local ideal para apreciar confortavelmente a bela paisagem da costa do Rio de Janeiro e suas ilhotas vizinhas. Quem sabe também meditar um pouco, afinal, é urgente que seja iluminada. A crise dos quase-trinta vem-na consumindo há semanas. De repente, à sua frente, iniciam-se gritinhos de duas crianças. Inadvertidos do sentimento da velha-moça sentada atrás deles, parecem andar no catamarã pela primeira vez na vida:

- Olha, ele vai fazer a curva, deve ser difícil, né?
- Nossa, mas foi tão rápido!

"Crianças barulhentas", pensa, do alto da senilidade dos seus quase trinta anos.

- A gente tá indo pra ponte, olha mãe!

"E assim será até o fim da viagem", bufa em seus pensamentos.

- Olha o pato! Ele vai voar? Pra'onde ele tá indo?
- Olha os outro navio grandão!
- Mas pra onde o pato foi?

E inicia-se a especulação sobre o novo paradeiro do pato. Em meio à elucubração sobre aquele ser mágico e aventureiro, a senil jovem começa a chorar. Via-se num dos meninos que tinha olhos cor-de-jabuticaba cheios de curiosidade e cabelos lisos, finos e escuros, que lhe caiam sobre os olhos, como os dela. Os menininhos a fizeram enamorar-se de sua temporária solidão ao remeteram-na à sua infância. Pensava nos pais que a ensinaram a cultivar o apreço pelo estar em trânsito, pela estrada que tantas vezes fez seus pensamentos perderem-se, pelas nuvens e pelas águas que sempre lhe inspiraram novas estórias. "Papai, sabia que nesse mar desapareceu uma mulher que virou uma sereia e que dá pra ouvir ela falar nessa concha?", noticiou uma vez ao pai, numa praia perdida em Parnaíba.

[É feliz afinal, pondera. Ou pelo menos assim se sentiu durante aquela breve catarse. E ama estar só, apesar da resistência inicial. A combinação de estar só e em trânsito dão-lhe o combustível necessário para reconhecer o quanto a vida que tem é, de fato, a vida que sempre quis ter. Apesar do presente ranço e dos atuais dilemas existenciais que lhe parecem tão perenes, reconhece que fez tudo como gostaria de fazer. O reencontro com amigos antigos lhe fizeram tão bem.]

E desmanchava-se em lágrimas no meio daquela epifania. Naquela comunhão da existência humana. Os menininhos eram ela e ela, os menininhos.