30.11.11

Impressões de perto do final, porém não conclusivas.

Inquietude. O desejo de se sentir em casa. Do pertencimento.

Depois da descoberta de que tinha que deixar o País dos Intocáveis o mais breve possível, começou o movimento de desfazer o pequeno apartamento de pouco menos de trinta metros quadrados. Aquele pequeno apartamento que mal havia começado a dar aconchego... Que há pouco começava a ser chamado de casa. Mas não havia mais tempo para isso. Era hora de refazer as malas, desmontar os móveis e montar as caixas. Era chegada a hora de deixar aquele país simpático, mas que nunca lhe pareceu interessado, que lhe tinha sempre um quê de inércia quando se tratava de conhecê-lo mais profundamente.

É, é assim que ela vai sair daqui. Sem saudades, só com lembranças de um tempo quando a vida foi um sonho estranho. Quando a neblina do fim do outono, que às vezes perdurava por dias a fio, parecia mais acolhedora do que os dias ensolarados. A neblina acobertava os espaços vazios e o longo tempo que ainda estava por correr até a tão almejada partida. Os minutos e as respirações se comprimiam naqueles brancos dias de nuvens.

E assim parte. Do lugar onde um sorriso é um meio sorriso. Onde a casa é quase um lar. Onde o sol quase esquenta. Onde o inverno é quase frio. Onde no cardápio mal traduzido em inglês, serve-se ‘frango morno’ [‘lukewarm chicken,’ how sad is that?]. (Ato falho?) Onde as meninas e os meninos são quase muito bonitos. Onde a mais pungente das manifestações climáticas é a cortina de neblina, quando o céu vem à terra e os sonhos e as realidades habitam a mesma dimensão. Onde se é quase feliz, mas falta...

Mais triste do que partir é partir sem saudades. É partir para esquecer.

30.8.11

Observações preliminares, Tilburg, Holanda, texto 1

Há duas semanas em terras holandesas, gostaria de fazer algumas breves observações sobre os altos habitantes das terras baixas. Observações estas que são também compartilhadas por meu companheiro de viagem, diga-se de passagem. (E talvez o meu objetivo implícito, que aqui explicito, seja eximir-me de quaisquer aparentes implicâncias, nojos ou preconceitos.)

Os holandeses são bastante simpáticos em geral, apesar de não serem educados e agradáveis como os irlandeses e os ingleses. Não têm o costume de pedir licença e muito se apressam para passar na frente da fila. A simpatia holandesa, já que fiz a comparação, diferentemente da irlandesa ou inglesa, parece-se com uma máscara de ferro. Explico o porquê disso. Parece-me que muito se orgulham do fato de usarem o inglês para se comunicar com as pessoas de fora, apesar de muitos o usarem de um modo limitado ao instrumental ou como o assustador 'Globish'. Acontece que o fato de usarem o inglês e de fazerem questão de defender que o holandês é uma língua inacessível e inútil torna-os intangíveis. A aparente falta de interesse em ensinar a língua e a cultura deles para os de fora podem traduzir-se numa alta, bem alta, torre de marfim. Não é à toa o termo cunhado por eles mesmos 'the undutchables' -- os intocáveis holandeses?

7.4.11

É puramente orgânico

Cabelos compridos, muito compridos. Passavam das nádegas. Estavam soltos na maior parte do tempo, especialmente quando ia à cozinha, fosse para cozinhar ou para recolher o seu arroz da panela de pressão enquanto outros cozinhavam. Ao vê-la em casa, era sempre a mesma rotina: primeiro sentia repulsa e raiva, que se amainavam e logo se transformavam em dó -- uma comiseração revestida de nojo.

Passara a noite cozinhando enquanto eu tentava dormir. "A noite", mas que exagero o meu. Cozinhara da meia-noite às duas da manhã somente. Enquanto cozinhava, ligou o aquecedor para se assegurar de ter um belo e quente banho de banheira depois de terminar de preparar a comida para semana. Comida essa que seria armazenada dentro de um armário -- ao contrário de na geladeira porque "se colocar na geladeira, perde o gosto". Mas é claro que ela não falou isso! Ela mal consegue falar. Apontou para geladeira e disse, "gosto ruim". Ah sim, claro. As horas passavam e, pelo fato de ter sido acordada logo após de cair no sono, Morfeu se foi sem olhar para trás. A minha pequena depressão matutina do dia seguinte foi substituída por asco. Lavo o rosto, escovo os dentes, visto-me e preparo-me para o meu café da manhã, a refeição do dia mais esperada! Abro a porta da cozinha para preparar o meu café vital de todas as manhãs e não consigo. Os armários estão cobertos por uma gosma amarela e gordurenta, há cabelos longos, muitíssimos e longos por toda a parte, parecem lombrigas que disputam pela próxima migalha. Caminho em direção à geladeira porque decido então tomar iogurte e o meu caminho é guiado pelas compridas lombrigas.

Volto à cafeteira -- preciso de cafeína, oras! -- e lá está: um pote de plástico dentro da lixeira de orgânicos -- por que a terra digere plástico, é claro, assim como o estômago da moça de cabelos compridos! Será que é assim que devo ensiná-la então? Havia colado papéis na parede com setas indicando que-lixo-vai-em-qual-lixeira, tudo escrito em letras garrafais. Da próxima vez, peço-a para comer não só o iogurte como também o seu respectivo pote.

Desculpe-me. Perdi a compostura.