29.9.10

A quasi-elaborate free verse poem

How lonely are we, lost wandering souls?
Are we really we, or is just me, or just you, or he, or she?

Is feeling accompanied just an ephemeral state,
and yet solitude our permanent condition?

Are we all, if existentialists, alone, yet
affecting and infecting one another in our loneliness?

Is loneliness to dwell in feeling
in one's own permanent condition?
Can we, or I, ego, actually choose between state or condition?
Alas, the fleeting nature of companionship,
not always a road to tread upon,
But a momentously sudden encounter.




(Painting: Edvard Munch, 1895, Jealousy)

19.9.10

Na cidade do ontem


Na cidade do ontem, os outonos e os invernos são sempre mais longos do que as primaveras e os verões. Com o passar dos anos, as pessoas da cidade do ontem lembram-se de um dia em que aqui houve de fato um verão em que foram às praias do norte, vestiram maiôs e sungas e passaram todo um dia sem agasalho.

A cidade do ontem às vezes chama-se "a cidade do antes de ontem". "Antes de ontem", quando produziam linho com pujança. Quando exportavam cerâmica para os países vizinhos como arte refinada e requintes para a decoração doméstica. Na época em que construíam grandes e luxuosos navios. Antes de ontem construíram o maior e mais forte do mundo. Construíram ainda o segundo maior e mais forte navio de cruzeiro do mundo. De todo o mundo. Na cidade do antes de ontem.

Na cidade do hoje, vemos fotos de ontem e de antes de ontem nas paredes públicas. Na cidade do hoje, as folhas enlameiam o chão e chove até mofarmos as vísceras.

Na cidade do hoje, ontem e antes de ontem, costumava ser mais quente e mais seco. Na cidade do hoje, contemplam-se nos sorrisos das fotos em preto e branco de ontem e no antes de ontem, mas dificilmente compram espelhos.

10.9.10

O golpe

O pirulito adocicado remeteu-lhe a anos passados. Muito anos. Não tantos, se do ponto de vista dos seus sessenta anos, mas ainda assim muitos do ponto de vista dos seus vinte-e-alguma-coisa. Foi tão vivo o sentimento da reminiscência que se apropriou do pirulito por inteiro: arrancou-o vorazmente do palito e começou a salivar maremotos. Atribulou-se por ter de lidar com tantos sabores e dissabores provocados por aquele inocente pirulito. O paladar intenso, o doce, o azedo, as brincadeiras de roda, as cantigas, os sonhos (ah, os sonhos!) os meninos que a faziam de chacota, a raiva, a saliva. Até que engasgou. Teve de engolir o pirulito forçosamente. Restou-lhe o açúcar grudado nas paredes de sua garganta intoxicada.

9.9.10

O vingador

O corpo-limbo. Uma prisão que de tão nula e insossa não nos permite passar algumas horas sentados numa cadeira para -- o que for. O corpo, neste estado, lembra-nos constantemente que está ali, mas bem que não queria ser lembrado. Não é nada, não faz nada além de latejar. Lateja de modo que esquenta ligeiramente acima dos 28° Celsius, instabiliza minimamente a visão e cria um marejar cefálico suficiente para tornar árdua e dolorosa a tarefa de permanecer sentado numa cadeira acolchoada e trabalhar. De aproximadamente 23.5°, a inclinação axial da Terra passa para 25°, os invernos, as primaveras, os verões e os outonos passam todos a ser mais quentes (ou mais frios?) no hemisfério sul ao ponto de mamoeiros ficarem enjoados, mangueiras terem fortes enxaquecas, romãzeiras (as baratas do mundo vegetal) empapuçarem, cajueiros empipocarem, coqueiros ensoparem e cupuaçueiros melecarem. Assim está o corpo-limbo sobre sua cadeira: os olhos ardem, a respiração ofega, a cabeça gira, as pernas incham e, lembrem-se, tudo isso mínima porém suficientemente para não saber declarar-se "doente" ou "são". Temos aqui um limbo corporal. Os mamoeiros ainda dão mamões, mas têm enjoos, os cupuaçueiros ainda dão cupuaçus, mas esses vêm com consistência extra-cremosa, quase escatológica.

O corpo humano recebeu já, ao longo de sua existência, diversos substantivos metafóricos como, por exemplo, tentativa de expressar religiosidade: "Porque somos membros do seu corpo"; "Mas ele falava do templo do seu corpo"; "santuário". Ou um sentido erótico-automobilístico: "Nas curvas do teu corpo, capotei meu coração". Ou um sentido animal: "Esse menino não quieta, parece que tem bicho no corpo". Ou quando, ironicamente, em transtorno, que também pode se classificar como religioso: "Baixou o santo". Esses modos de expressar um estado de ânimo revelam as funções sociais do corpo, sejam elas eucarísticas, sedutoras, perturbadoras, molecas, aborrecedoras ou irritantes. Todas elas têm o seu papel ativo na sociedade.

Mas e quando ao corpo resta a não-atividade, a não-vontade, o não-querer e a apatia? Quando o que lhe resta é estar ali, em plena existência, infelizmente, mas, se lhe pudesse ser concedido um desejo, só um, esse seria a hibernação. Chamo-lhe corpo-limbo, o estado do corpo em que só consegue olhar para si mesmo e sentir a si mesmo. Sentem-se as pernas, as costas, a cabeça, os olhos. Impõem-se-lhe a existência, não batem à porta, entram sem pedir licença e ali ficam, repetindo em antífonas e ladainhas: pernas, pernas, pernas, costas, costas, costas, olhos, olhos, olhos, cabeça, cabeça, cabeça... Sem nos esquecer de que o limbo é vermelho.