19.9.10

Na cidade do ontem


Na cidade do ontem, os outonos e os invernos são sempre mais longos do que as primaveras e os verões. Com o passar dos anos, as pessoas da cidade do ontem lembram-se de um dia em que aqui houve de fato um verão em que foram às praias do norte, vestiram maiôs e sungas e passaram todo um dia sem agasalho.

A cidade do ontem às vezes chama-se "a cidade do antes de ontem". "Antes de ontem", quando produziam linho com pujança. Quando exportavam cerâmica para os países vizinhos como arte refinada e requintes para a decoração doméstica. Na época em que construíam grandes e luxuosos navios. Antes de ontem construíram o maior e mais forte do mundo. Construíram ainda o segundo maior e mais forte navio de cruzeiro do mundo. De todo o mundo. Na cidade do antes de ontem.

Na cidade do hoje, vemos fotos de ontem e de antes de ontem nas paredes públicas. Na cidade do hoje, as folhas enlameiam o chão e chove até mofarmos as vísceras.

Na cidade do hoje, ontem e antes de ontem, costumava ser mais quente e mais seco. Na cidade do hoje, contemplam-se nos sorrisos das fotos em preto e branco de ontem e no antes de ontem, mas dificilmente compram espelhos.

2 comentários:

  1. Bonito. Lembrou um pouco o livro do Calvino, obviamente. Eu gostaria de conseguir falar de cidades, mas acho que estou por demais engolida por esta daqui pra isso.

    Antes ser a cidade do hoje, chuvosa e enlameada, do que a etérea e incerta cidade do amanhã.

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  2. A cidade de hoje é a mesma de ontem. As pessoas é que se esqueceram de se pôr e amanhecer denovo.

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