9.9.10

O vingador

O corpo-limbo. Uma prisão que de tão nula e insossa não nos permite passar algumas horas sentados numa cadeira para -- o que for. O corpo, neste estado, lembra-nos constantemente que está ali, mas bem que não queria ser lembrado. Não é nada, não faz nada além de latejar. Lateja de modo que esquenta ligeiramente acima dos 28° Celsius, instabiliza minimamente a visão e cria um marejar cefálico suficiente para tornar árdua e dolorosa a tarefa de permanecer sentado numa cadeira acolchoada e trabalhar. De aproximadamente 23.5°, a inclinação axial da Terra passa para 25°, os invernos, as primaveras, os verões e os outonos passam todos a ser mais quentes (ou mais frios?) no hemisfério sul ao ponto de mamoeiros ficarem enjoados, mangueiras terem fortes enxaquecas, romãzeiras (as baratas do mundo vegetal) empapuçarem, cajueiros empipocarem, coqueiros ensoparem e cupuaçueiros melecarem. Assim está o corpo-limbo sobre sua cadeira: os olhos ardem, a respiração ofega, a cabeça gira, as pernas incham e, lembrem-se, tudo isso mínima porém suficientemente para não saber declarar-se "doente" ou "são". Temos aqui um limbo corporal. Os mamoeiros ainda dão mamões, mas têm enjoos, os cupuaçueiros ainda dão cupuaçus, mas esses vêm com consistência extra-cremosa, quase escatológica.

O corpo humano recebeu já, ao longo de sua existência, diversos substantivos metafóricos como, por exemplo, tentativa de expressar religiosidade: "Porque somos membros do seu corpo"; "Mas ele falava do templo do seu corpo"; "santuário". Ou um sentido erótico-automobilístico: "Nas curvas do teu corpo, capotei meu coração". Ou um sentido animal: "Esse menino não quieta, parece que tem bicho no corpo". Ou quando, ironicamente, em transtorno, que também pode se classificar como religioso: "Baixou o santo". Esses modos de expressar um estado de ânimo revelam as funções sociais do corpo, sejam elas eucarísticas, sedutoras, perturbadoras, molecas, aborrecedoras ou irritantes. Todas elas têm o seu papel ativo na sociedade.

Mas e quando ao corpo resta a não-atividade, a não-vontade, o não-querer e a apatia? Quando o que lhe resta é estar ali, em plena existência, infelizmente, mas, se lhe pudesse ser concedido um desejo, só um, esse seria a hibernação. Chamo-lhe corpo-limbo, o estado do corpo em que só consegue olhar para si mesmo e sentir a si mesmo. Sentem-se as pernas, as costas, a cabeça, os olhos. Impõem-se-lhe a existência, não batem à porta, entram sem pedir licença e ali ficam, repetindo em antífonas e ladainhas: pernas, pernas, pernas, costas, costas, costas, olhos, olhos, olhos, cabeça, cabeça, cabeça... Sem nos esquecer de que o limbo é vermelho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário