21.1.09

O postal

Estava a trabalho no Canadá. Era uma das viagens de seus sonhos. As realizações apenas começavam. Dias poucos e curtos em Montreal, em Halifax e em Toronto, ocupados pelas visitas, relatórios, apresentações e outros eventos sociais, mas sempre havia uma brecha para a bebida noturna, cálida e solitária, capaz de relembrar-lhe de algo adormecido. Nesta noite, resolveu finalmente escrever no postal que comprara poucas horas antes, quando ainda era dia. “Êxtase, nunca imaginei lugar assim! Ainda morarei aqui um dia”. E assinou. Guardou o postal na bolsa, olhou em volta e conseguiu atrair o olhar do garçom. Ele veio, “Oui, madame, qu’est que vous voulez?” “D’autre... Non, rien, solement l’adition, merci”. E veio a conta. Deixou ali o pagamento junto com mais algumas moedas em resposta ao cortês e objetivo tratamento do garçom.

No dia seguinte, no intervalo entre reuniões, enviou o postal. Chegaria em dez dias úteis. Mas ela chegaria em menos de vinte e duas horas. Em solo brasileiro, avistou o motorista da empresa, sempre pontual e objetivo. Dirigiu-lhe a sua casa, onde a deixou com suas bagagens pesadas e subjetivas.

Os dias se passavam e não havia muitas novidades a não ser os eventos do trabalho que preenchiam suas horas e seus pensamentos por dois turnos de um dia. No terceiro e último turno, já não havia o que preencher nem com o quê preencher, mas havia uma constante expectativa. Uma semana se foi e, na caixa de correios de seu apartamento, havia um postal.

2 comentários:

  1. Essa menina!
    O conto vem como uma onda, que vemos bonita, caprichada lá longe, que vem vindo em nossa direção, toda desenhada em direção a seu fim. Imaginamos como vai acabar, mesmo não querendo que assim o seja. E ela aumenta, e a angústia aumenta, e o sentimento de solidão se reforça, vem sendo reafirmado, tomando conta. A onda vem rápida, vai acabar logo!
    Não pode ser para ela mesma, não... Mas era. E foi. E fim...
    Muito bom!
    Adoro essa menina!
    Um beijo do velho Vlad

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  2. Frio, esse texto. Frieza crescente do começo ao fim. Engraçado como há tanta diferença entre o primeiro que postaste e esse; enquanto um se compõe em contrastes, esse caminha a passos regrados, para um final já esperado. E faz o oposto ao que estamos acostumados: ao invés de ápice ele tem um vale, gelado como corredores de hotéis. Não sei se gosto, mas que mexeu mexeu.

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