16.9.09

Um texto um pouco duro


Mais uma vez, encontrava-me numa situação já vivida. Acreditava que sim, alguns eventos podem repetir-se, mas vêm sempre vestidos de roupagens distintas. E essa vez parecia confirmar minha hipótese sobre as repetições: agora, seria um pouco mais intelectualmente madura do que outrora, mas tinha dúvidas sobre a maturidade de minhas emoções e, conseqüentemente, de minhas ansiedades. No entanto, a situação era nova e, por isso, não poderia tomar por certo que lidaria com o problema com mais facilidade -- não era uma fase mais avançada do mesmo jogo; era outro jogo.

Retomo: 'Acreditava que sim, alguns eventos podem repetir-se, mas vêm sempre vestidos de roupagens distintas.' Divaguei em direção às sensações provocadas pelos eventos, mas minha proposição, na verdade, disserta sobre os eventos, elementos externos a mim, o ser, o indivíduo, a personagem da narrativa, e por conseguinte, os eventos são externos às sensações. Vamos aos eventos.

Os eventos podem ser condensados em um só (sozinho e somente): possuir muitas idéias e muitos caminhos em mente, mas não conseguir libertá-los. Não conseguir traduzir as idéias amorfas em palavras, ou, quem sabe até, em desenhos. E o desespero por traduzi-las existe porque é preciso estabelecer comunicação com outrem. Portanto, preciso de palavras organizadas de acordo com uma estrutura socialmente aceitável e adequada. Uma estrutura criativa, mas que se limita às convenções institucionais.

Retomo agora outro trecho: 'Não conseguir traduzir as idéias amorfas.' As idéias quando ainda não têm corpo, precisam dessa forma para tornarem-se sociáveis e não serem tão somente uma angústia individual. Aliás, nesse caso, a tarefa do indivíduo, a minha tarefa, é transformar as angústias em explicações. A partir desse processo, poderei sobre as angústias com a frieza ou a neutralidade da razão. Produziu-se conhecimento.

E penso em Zaratustra, que, de alguma forma fala disso mas com olhos voltados a tempos primordiais: 'Porque o medo -- é o sentimento hereditário e fundamental do homem; pelo medo, tudo se explica, o pecado original e a virtude original. Do medo nasceu também a minha virtude, que se chama: ciência. O medo, precisamente dos animais bravios -- é esse que há mais tempo se incutiu no homem e inclui o medo do animal que ele esconde em si mesmo e teme -- o animal interior, chama-lhe Zaratustra.' (Nietzsche, trad. Mário da Silva, Assim falou Zaratustra, p. 353)

Não sei se a invocação a Nietzsche deveria ter sido posta antes ou após o texto como fi-lo. Percebo que os parágrafos deste texto poderiam ser reorganizados em ordens diversas. Desabafo e invoco Zaratustra em meio aos emaranhados caminhos phdianos. Procurei Nietzsche inicialmente porque tinha em mente 'o eterno retorno', mas esse texto tomou seu próprio rumo e deu forma a si mesmo.

Não, não fui eu quem criou o mundo, ele se criou sozinho. No princípio, eram as idéias. As idéias eram sem forma e abstratas. A narradora desabafou: "essa velha angústia eterniza o ensaio que precede a apresentação, a troca com o público, o social. Faça-se um corpo." E assim um corpo se fez, num vomitar de palavras.

4 comentários:

  1. eu entendo esse texto. and, if I am not mistaken, you are referring to NY and Belfast. você escreve de um jeito misterioso e enigmático, sabe?
    saudades sempre.
    beijos...:*

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  2. Interessante sua leitura, srta. Mel Savi. Pode se aplicar a isso também, certamente. Continuarei enigmática.

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  3. E formamos uma sociedade dos homens domesticados, não animalescos, capazes de controlar seus próprios instintos e obedecer aos dez mandamentos para evitarmos as dez coisas das quais mais medo temos.
    Erguemos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia.
    E então, a salvo, encarcerados nas nossas celas com os nossos próprios animais ferozes, morremos do nosso próprio mal.

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  4. E se as ideias não estiverem maduras o suficiente pra serem traduzidas em palavras? Assim como a banana verde, que "amarra" a boca...

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