10.1.10

Sobre como e quando decidiu começar a jogar rpg


Redescobriu um prazer tão infantil nas estórias de seres e lugares inventados. O lugar das fábulas celtas, onde vikings (ou "víquingue", em bom português!) nórdicos sentam-se em volta do fogo para compreender como os primeiros pássaros pretos vieram à Irlanda e como, fabulosamente, procriaram debaixo do chapéu do nadador que os trazia diretamente da Noruega, por horas a fio percorrendo as águas congelantes do Norte. Lá do Norte do Mundo. Esses seres eram grandes, tinham barbas e cabelos compridos de cor de fogo. Eram brutos e selvagens, mas tão desengonçados e pueris.

Também possuía imenso prazer no lugar onde habitavam seres belos e esguios, que viviam em plena harmonia com tudo o que os rodeava. Árvores flutuantes, cachoeiras tão altas cujas águas evaporavam ainda antes de tocar o chão, caramanchões cujas folhas continham as vozes de seus ancestrais, que já haviam devolvido à Terra a energia que um dia tomaram emprestada. Seres esses que sabiam quando matar outros seres ou quando lhes deixar ir em paz. E mesmo o ato de matar era solene, seguido por um ritual de reverência à Terra. A Terra, a Mãe que gerou, que garantiu a vida e a existência e agora transforma a existência em energia a outrem, ou de volta a si.

Divertia-se com as fantasias a que assistia agora, em sua jovem vida adulta, em filmes e desenhos e com as que lia em livros ilustrados para crianças. Lembrava-se com carinho das brincadeiras com os primos no interior das Minas Gerais: das estórias da alma da noiva de branco que os assombrava à noite na casa onde o pé-direito era alto e não havia forro. A alma da noiva de branco atravessava os quartos, pelo telhado alto sem forro. Ela e os primos dormiam em quartos distintos, mas podiam comunicar-se justamente por causa do teto sem forro. Sussurram e escutavam-se comentando sobre a tal da noiva. Sabiam que a alma da noiva na verdade eram os morcegos que habitavam a casa durante a madrugada, mas, quem sabe, eram os morcegos e a noiva também. Durante o dia, acreditavam que a noiva estaria na única capela da cidade. Nunca tiveram coragem de entrar lá. Lembrava-se de que, antes mesmo dessas invenções com os primos, quando ia à praia com o pai, o irmão e a avó paterna nas férias, acreditava escutar vozes de pessoas perdidas no fundo do mar. Comunicavam pelas conchas o seu fado e a sua saudade, para sempre habitantes das vastas águas. Dizia para o pai que sim, que escutava as mensagens desses seres e que sabia do que precisavam. Dizia isso para o irmão e ele não contestava. O irmão reportava as narrativas da irmã ao pai e acentuava a credibilidade das vozes das conchas. Depois saía por aí, contando números infinitos, que até hoje não parou de contar.

A lembranças das suas próprias invenções infantis e das novas-velhas invenções que experimentava em sua jovem vida adulta fizeram-na considerar o alto percentual de sonho que resiste em sua existência. É habitante de diversos mundos, visita-os de tempos em tempos. Inclusive este.

Um comentário:

  1. Oh céus, que vontade de estar aí e ver nos teus olhos o brilho de quem (re)começa a contar histórias. Eu devia ter aproveitado a oportunidade enquanto vocês estavam mais perto, e deixei passar por causa do medo bobo de não ser boa o suficiente. Não percebi o óbvio, o que falo pra todo mundo quando assunto é jogo de papéis, que tudo não depende só de uma pessoa e sim da sintonia que se encontra em um grupo. Mas eu vou, vou e entre guiness e chalés quentinhos inventaremos um mundo e uma cosmogonia juntas.

    Saudade infinita.

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