18.8.15

Notas sobre a Córdoba latino-americana, parte I

Chegada em Córdoba em 17 de agosto, segunda-feira, feriado nacional, dia de San Martin, um dos libertadores da Argentina do crivo espanhol. Um dos grandes heróis nacionais também do Chile e do Peru, juntamente com Simón Bolívar. Ufanismos à parte, tudo estava fechado, inclusive as casas de câmbio e meu cartão foi rejeitado por todos os caixas automáticos do aeroporto. Uma alma boa que conheci em Guarulhos e coincidentemente sentou-se ao meu lado no avião emprestou-me dinheiro e garantiu meu bem-estar em terras argentinas por pelo menos 24 horas.


Passado o feriado, parti em busca de caixas eletrônicos no centro da cidade. Deparo-me com diversos cajeros sin plata. Caminhando em direção à Plaza San Martin, encontro muitos bancos, todos com filas que alongam-se do lado de fora dos prédios. Tenho 153 reais no bolso. Encontro uma casa de câmbio, troco tudo o que tenho e pergunto ao funcionário o que se passa na cidade. A explicação: com a perspectiva do feriado prolongado, boa parte da população decidiu sacar dinheiro e, portanto, os caixas ficaram desprovidos. Hoje, primeiro dia útil depois do feriado, todos correram para sacar, o que resultou novamente em cajeros sin efectivo, filas longas e uma conversa corriqueira com os cordobenses depois de tentativas frustradas de saque: ¿no hay plata?

Plaza San Martin. Foto por A.F.


Volto para almoçar no meu departamento na General Artigas. Um copo de vinho aplacará o meu breve desespero de pensar que não terei dinheiro suficiente durante a viagem. Refaço minhas contas, entro em contato com a gerente do banco, tranquilizo-me e saio novamente, mas agora para aproveitar o sol e contemplar com placidez o ritmo da vida nesta cidade. Volto à livraria onde meu cartão foi rejeitado: adquiro meu primeiro exemplar de teatro contemporâneo argentino. La Nona de Roberto Cossa, dramaturgo que escreveu suas peças principais na crítica e violenta década de 70. É preciso notar que as caminhadas pelas ruas são sempre marcadas pela troca penetrante de olhares. Olha-se nos olhos.


Sento-me num café que fica perto da exuberante Catedral de Córdoba, cuja construção data de fins do século XVI. Mesinhas ao lado de fora, sol. Contemplo as pessoas que estão na praça à minha frente jogando xadrez, namorando, fazendo nada, consultando seus smartphones, lendo, ouvindo música... Ali estão elas. Na rua, a cidade está cheia de vida.


Um dia cheio de contrastes, de sentir-se na Argentina dos anos setenta, do incômodo aos breves encontros com estranhos, à placidez. Ao prazer de sentir-me estrangeira e pertencente ao mesmo tempo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário